21 dezembro 2006

Espírito de natal 2

ro.ti.na s.f., caminho já trilhado e sabido; hábito de
fazer as mesmas coisas ou sempre da mesma maneira; fig., uso geral;
prática constante; índole conservadora ou oposta ao progresso; aversão às
inovações;

É uma festa religiosa tradicional, linda época para passar junto com a família. Ainda que isso signifique aturar seu tio rotineiramente bêbado atazanando as visitas ou os parentes que dividem o tempo entre o natal de duas famílias, dando o ar da graça por valiosíssimos minutos de suas vidas. Mas é claro que isso são coisas superficiais perante o real significado do natal. Afinal, quanto mais pessoas conseguirmos reunir, mais presentes vamos receber, não é mesmo? E há maior trunfo do que contar para todos que você conhece sobre a montanha de presentes caríssimos que você pagou pra lhe darem?

Ah, o natal. Em que outra circunstância no ano inteiro temos a oportunidade de dar as costas aos amigos que vem de outras partes do país, grandes figuras, colegas de trabalho que nos deram uma força o ano inteiro, para gastar um tempo de qualidade ouvindo as piadas inéditas de 1970 contadas pelo seu avô!

Não digo que não seja importante passar um tempo com a família, afinal, são as pessoas que estão sempre ao seu lado, mesmo nas piores circunstâncias, só estou dizendo que isso poderia ser feito de outra maneira. Mais civilizada, mais integrada entre as famílias, e desta vez sem a PORCARIA do peru maldito. Odeio peru de natal.

11 dezembro 2006

IBOPE

Já era a oitava vez que Douglas colocava em prática seu projeto. Estudante de jornalismo do sexto semestre, sempre se sentiu a vontade com o mundo da tecnologia. Tinha orkut, fotolog, msn, skype e usava todos os serviços, todos os dias. Na mesma metade do ano, decidiu iniciar um projeto audacioso: uma vez por semana, iria transmitir um webcast onde entrevistaria pessoas de sua convivência, que achasse que tinham histórias ou opiniões que poderiam interessar seus colegas. E como fazia sucesso. Centenas de estudantes assistiam o webcast toda a semana, segundo o painel de audiência ao qual Douglas tinha acesso.

Mas dessa vez, Douglas estava sem idéias. Não sabia quem selecionar. Já havia esgotado seu estoque de amigos que tocam em bandas, que viajaram para o exterior, experimentaram substâncias mágicas, tiveram experiências mediúnicas ou tivessem piadas muito boas. Convenientemente, uma das melhores amigas de Douglas havia se tornado noiva recentemente. Resolveu convidá-la, para homenageá-la e contar um pouco sobre as histórias de quando eram amigos de infância.

No final de semana, Mônica e Júlio, outro amigo de infância de ambos, chegaram ao estúdio improvisado na casa de Douglas para que fizessem a entrevista. O futuro jornalista preparou tudo para seus amigos: aperitivos, drinks, ar condicionado na temperatura certa e lugares confortáveis. Começaram a entrevista, mas logo Mônica percebeu que aquilo não ia acabar bem. Júlio e Douglas começaram a relembrar coisas que faziam parte da intimidade de Mônica, que nem mesmo seu noivo sabia. Não demorou muito e a moça, cansada de insistir que parassem, deixou o lugar. No momento em que a moça bateu a porta do lugar, Douglas soube que seu próximo programa teria uma enorme audiência, devido à polêmica que este causaria.

Com muito remorso, depois de perceber o que havia causado, Douglas foi pedir desculpas a Mônica, que a princípio não lhe deu ouvidos - com muita razão. E o garoto percebeu que desde o início, aquilo que vinha fazendo não agregava valor ao que aprendia, tampouco contribuia para seus colegas, apenas expondo as pessoas que ele prezava. E resolveu provar para Mônica e para os outros que possivelmente ofendera, que aquilo não significava nada para ele perto das amizades que estava pondo em risco.

Na outra semana, Douglas transmitiu a imagem de um ovo sendo frito até queimar, por 30 minutos. E teve a maior audiência da história de seu projeto. Não que lhe importasse mais.

24 outubro 2006

Sozinho no Escuro

Olhei em volta e as ruas estavam tomadas de balcões com placas grossas de madeira com a escritura: "Informações".
Resolvi terminar com o mistério, fui até uma e dirigi a palavra a um rosto conhecido:
- Com licença, podes me informar qual o motivo de tantos balcões? -
perguntei.
- Acho que o senhor não entendeu... - falou em voz baixa - ... também estou
perguntando.

03 outubro 2006

Exceto pelo sorvete

Não saía de casa por nada. Tinha medo do escuro. Tinha medo do claro. Mas acima de tudo, havia algo que lhe assombrava permanentemente. O tédio. De tanto medo, acabava com medo de não ter o que fazer. Mesmo dentro de casa, bolava coisas que poderia fazer sem o menor risco envolvido. Não que fosse a coisa que ele mais amasse no mundo, mesmo que, por anos, tenha vivido assim.

Daí um dia um amigo de velhos tempos apareceu na porta da casa dele. Havia anos não recebia visitas. Pois tinha medo delas. Podiam ser assaltantes. Ou até homicidas. Mas não seu amigo de infância. Não ele. Achava. O amigo andou por tempos difíceis e resolveu convidá-lo para comer um sorvete, relembrar os velhos tempos e colocar em dia as novidades que, àquela altura, viraram uma enorme pilha de informações que nem com todo o tempo do mundo poderia ser contada.

Hesitou. Não deixava a casa há anos. Fazia até o rancho do mês no e-bay. E se pegasse uma doença? E se limpassem a casa enquanto ele estivesse fora?
Mas não podia ser tão mau. Apenas um sorvete. Que mal poderia fazer? No máximo uma amigdalite, uma infecção, um resfriado. Mas talvez já estivesse imune, tamanha a quantidade de antibióticos que tomava sem motivos. E então foi. Foi ser feliz na sorveteria.

Mal deixaram a calçada e foram vítimas de um seqüestro relâmpago. Nosso amigo, inexperiente em situações de contato físico com pessoas, sacudiu-se, com medo do bandido, e levou uma facada. Facada essa desferida com um estilete velho e enferrujado, provavelmente a origem da tuberculose no mundo. Levaram tudo de ambos. Dinheiro, roupas caras, relógio, tudo. E deixaram os dois em uma estrada.

Os dois conseguiram carona em um ônibus que estava voltando para a cidade. Um pelotão de escoteiros acolheu-os, enquanto cantava irritantes músicas de acampamento, assistia um desenho animado barulhento que passava nos pequenos monitores pendurados no topo do ônibus e crianças ranhentas se esfregavam nas duas vítimas, ainda que uma delas - em choque - ostentava uma sangrenta ferida na altura do apêndice. Voltaram para a cidade, enrolados em cobertores. O medroso voltou para a casa assim que pode, e seu amigo de infância, depois de acompanhá-lo, fez o mesmo. E não tomaram o sorvete.

No outro dia, ao buscar a correspondência, entre o bolo de contas com o qual estava habituado, o amigo de infância do temeroso homem encontra um bilhete escrito em uma folha de caderno rasgada:


Obrigado. Ontem tive o melhor dia da minha vida, exceto pelo sorvete.

26 setembro 2006

O triste final do mosquito coxo

Bzzzz... TEC... Bzzzz... TEC... Bzzzz... PLEC.

29 agosto 2006

Afraid of asking

Passei a parada de ônibus onde deveria parar. Não que seja algo fora de costume, mas dessa vez foi proposital.

Parei no terminal, ainda cedo, e me dirigi à parada onde deveria pegar o ônibus que, agora sim, me deixaria em casa. E assim esperei, com mais duas mulheres carregando sacolas e um homem bem vestido.

Percebi a aproximação de uma garota carregando uma caixa. Ela abria-a periodicamente e colocava a mão dentro, como quem cuida de um filhote. Filhote de quê, pensei. E continuei esperando, receoso de perguntar o que era.

Duas crianças de rua me pediram trocados. Não tinha, mal tinha pra mim mesmo. Uma das mulheres as chamou e ofereceu balinhas. O homem, bem vestido, ofereceu 2 pães de queijo em um saco plástico, que vinham guardados na pasta executiva. O homem fez sinal para o ônibus que vinha, e nele subiram as mulheres e as crianças. O homem continuou esperando.

Ao meu lado, a garota continuava abrindo a caixinha de tempos em tempos, me causando uma curiosidade cada vez maior. Chegou meu ônibus; havia perdido minha chance. Mas para minha surpresa, tinhamos o mesmo destino.

No caminho, a curiosidade me consome e, uma parada antes da minha, ela desce. E continuei, receoso de perguntar.

---

Entrei no meu prédio. Chegando em casa, me deparo com a parte mais bizarra do meu dia. Um menino loiro de uniforme do meu antigo colégio, usando pantufas e com uma notável espinha na bochecha esquerda me esperava na frente da porta.

"aqui não é a sua casa..." - falou, inocente
"como não?"
"eu sei, tu não
mora aqui. eu moro *incompreensível*" - falou enquanto se movia, ficando
parcialmente escondido por uma dobra da parede, como uma criança que brinca de
estar observando de um canto.
"mas eu moro aqui sim... tchau!" - abri a
porta e entrei em casa

17 agosto 2006

Request permission to take off

Um dia um cara ensinou um guri a sonhar.
A não acreditar em impossível, nem em verdades absolutas.
Ensinou o guri a questionar, a instigar, a quebrar barreiras, mudar conceitos.

E então ele foi aprender a voar.
Sabia que tinha de haver um jeito, que não podia ser tão difícil.
Tentou, tentou e quebrou a cara.

Agora, esse guri anda pelo mundo convencendo as pessoas de que elas nunca vão conseguir.

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E finalmente eu descobri o que está errado comigo.
Cansei. Tá tudo igual!
Todo o dia:
- Acordo na mesma hora
- Tomo o mesmo café
- Chego atrasado no estágio
- Tenho as mesmas aulas
- Vejo as mesmas pessoas
- Vou ao mesmo lugar todo o fim de semana
- Penso que tenho que mudar

Enfim, ATÉ MEU WINAMP toca a mesma playlist.
Tá na hora de virar o disco né? Virarei:

Pra todos aqueles que me aturaram (ou não) durante meus dias de chatice e isolamento introspectivo:
"Desculpa" ...
... o caralho. Já aguentei vcs também ué.
Para os que eu nunca tive de aturar mas me aturaram denovo: valeu ^^ amo vcs. EHAUehuAEHae

03 agosto 2006

Meu chefe de cigana

Acordei, ela me serviu café. Gritou comigo um pouco, mas não entendi o que disse.
Não sabia quem era, nem aonde eu estava. Não conseguia me mexer muito bem, mas de alguma forma, fui até o banheiro. Lavei o rosto e me vesti para o trabalho.

Que trabalho, pensei. Não sei. Só sei que tinha de ir para o trabalho. Fui até lá e encontrei meu chefe vestido de cigana. Ele me disse que eu tinha futuro na empresa. Não lembrava do que tinha de fazer lá, mas isso deixou de ser um problema quando percebi que tinha errado de endereço, e estava numa festa a fantasia.

Daí me bateu o placebo: por isso meu chefe de cigana! Eram músicas do carnaval do ano passado. Super divertidas. Dançei, bebi, pulei. Mas me lembrei que não conseguia me mexer direito.

Daí voltei do banheiro e caí na cama denovo. No final da história, tudo que eu aprendi foi que devemos lembrar de limpar as cinzas do tapete.

27 julho 2006

Precisa?

Foda-se a estrutura. O que quero te dizer cabe em um parágrafo.
Pro inferno com o vocabulário, pois não preciso mais que três palavras.
Embora não seja muito original, quero ser o autor do plágio.

A pontuação fica por sua conta.
A exclamação do teu sorriso ou as reticências do teu silêncio.

05 julho 2006

Sinceridade ofende

Dez pra meia noite. Ninguém, NINGUÉM passa pelos corredores, exceto um ou outro daqueles insuportáveis atendentes de patins. Mesmo assim, ainda não posso terminar o expediente, graças a um infeliz que traz nas mãos um cesto cheio de porcarias e no rosto um sorriso utópico típico de quem ainda não chegou nem na metade da vida.

Dezenas de caixas. Todas loiras, bonitas e atraentes. Mas NÃO, ele tinha de embestar de vir logo na minha. Logo na caixa da negrona gorda de 40 anos que mesmo depois de formada tem que aguentar aquele tipo de situação.

Ele se aproxima, começa a tirar as compras e larga a máxima:

- Olá, tudo bem com a senhora?


Meu mundo parou. E se eu resolvesse responder?
Nada me impedia de fazer isso, não era contra o regulamento. Afinal, dentre tantas restrições, aqueles tiranos da gerencia tinham que ter deixado alguns furos nas regras, não?

Desde o início do meu dia, nada deu certo. Acordei, percebi que não havia nada para preparar o almoço das crianças. Fui até o supermercado onde trabalho, comprei o suficiente para durar a semana toda. Peguei o ônibus e - na volta - percebi que havia deixado meu cartão no supermercado e as moedas que restaram na niqueleira preta de couro não eram o bastante para a outra passagem de ônibus. Andei o resto do trajeto, carregando montes de sacolas. Depois de um tempo, o papel higiênico pesava o mesmo que a árvore a partir da qual foi produzido. Cheguei e preparei o almoço correndo, em tempo de levar as crianças atrasadas para a escola.

Peguei dinheiro emprestado com a vizinha e voltei pro supermercado, pois meu turno já havia começado. Ficar sem dinheiro havia virado costume depois que meu marido faleceu. Nunca havia trabalhado até então. Hoje, consegui esse emprego de caixa para me virar sozinha. Chegando no super, meu chefe sorria, mal podia esperar para cobrar satisfação pelo atraso. Perdi uma hora inteira de pagamento por 10 minutos.

Deixei passar uma senhora mal vestida que havia escondido 2 ou 3 pães na bolsa. O segurança da porta viu. E o chefe voltou, sorrindo, pois havia descoberto quem havia atendido a pobre velha.

Decidi fazer hora extra no intervalo e perdi uma incrível happy hour com as mais incríveis guloseimas, feita para comemorar a meta anual de lucros que havia sido atingida naquele mês. Nessa hora, vieram muitos clientes, pois a maioria das outras caixas estava se deliciando no raro buffet. Errei o troco. 50 reais a menos no meu bolso.

Faltando meia hora para acabar meu horário, minha filha me liga dizendo que sua irmã menor estava passando mal, mas que não era para me preocupar, que já estava cuidando disso. A essa hora, eu não havia sequer almoçado e estava na TPM. O bossal do meu chefe havia saído antes e "pediu" que eu e os funcionários que ficariam até a meia noite fechassem tudo.

- Tudo bem! E o senhor, encontrou tudo o que precisava?


Hoje em dia, sinceridade ofende.

30 maio 2006

Murphy

E quando ele achou que não podia ficar pior...



É isso aí Deus, continue assim que em breve vc consegue me estraçalhar por completo. Falta pouco! FALTA POUCO!

29 maio 2006

Wake me up at 4


I wonder if it's actually a delicious treat...
and the world will never know
- PostSecret

Quero estar fora de mim por alguns minutos. Andar de skate na muralha da china. Quero me apaixonar perdidamente pela vida e quero ser correspondido. Subir o Empire State de escada e descer de asa delta. Vou te ligar as 4 da manhã e dizer que marquei estúdio pras 4:15. Quero inventar um novo pecado, vou virar padre e me confessar para mim mesmo. Vou jogar xadrez sozinho e comer minhas próprias peças. Quero que alguém me agarre e me beije sem nem sequer pedir. I'm up to see how deep is bunny hole. Vou descobrir com quantos paus se faz uma canoa, e também se não dá pra fazer com menos. Estou cheio de desejos, ultimamente.

Acho que estou grávido.

The trick is you got to realize that you're dreaming in the first
place.
You gotta be able to recognize it, you gotta ask yourself:
- hey
man, is this a dream?

Seems like everyone sleepwalk into their wake state
and wakewalk into their dreams.

- Waking Life

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(Aos que se importam:)
Sim, estou tres bizarre. Meus últimos dias não foram lá dos mais agradáveis (e não devem ter sido pra quem me aturou tb) e estou afim de explodir o mundo só pra ver o que tinha dentro dele.
Se alguém souber a fórmula mágica para tudo dar certo, favor mandar por email =P
Perdão, e muito obrigado.

16 maio 2006

Achei um link interessante e queria dividir.

http://www.postsecret.blogspot.com/

Basicamente, é um blog que exibe fotos de cartões ou mensagens enviadas para um determinado endereço dos EUA. As mensagens são sempre anônimas e contêm um segredo.

05 maio 2006

Escolha simples

Acordou e tomou o café de sempre. Café, torradas e uma banana catarina, bem madura. Era uma manhã muito diferente das outras - domingo. Há tempos ela não via as ruas tão vazias. Até o ar lhe parecia diferente. Abriu a dispensa e alcançou o carrinho, limpando as teias de aranha. Fazia 5 anos que ela não ia à feira.

Na rua, já podia sentir o cheiro dos vegetais e frutas frescas. Vestia um vestido velho e sandália havaianas, bem confortável. De cara, encontrou uma banca cheia de frutas exóticas, possivelmente importadas. Parou por longos minutos, observando os produtos como uma criança descobrindo novos quitutes.

- Mulher bonita não paga, mas também não leva! - disse um feirante a ela, no auge de sua criatividade.


Pediu para experimentar tudo aquilo que nunca havia provado antes. De repente, lhe pareceu que sua boca sentia sabores inéditos, que seu paladar se abrira, como se suas papilas gustativas houvessem adormecido há anos atrás. Tudo parecia ter um gosto nostálgico de novidade. Queria levar TUDO! A pena era o preço.

Já estava na banca há horas. Mecanicamente, buscou o relógio no pulso esquerdo, mas ele não estava lá. Que bom. Saíra sem relógio, sem hora. Sua demissão de seu antigo emprego numa empresa de contabilidade parecia lhe ter comprado um bilhete só deida para a liberdade, e a essa hora, a última coisa que lhe passava pela cabeça era algum tipo de compromisso, bater o ponto, redigir um memorando.

Resolveu continuar andando e passou pela banca das verduras. Folhas verdes e brilhantes lhe lembravam as lindas saladas que foram servidas em sua festa de casamento. Ela havia se divorciado há pouco tempo. Ele pedira que ela estabelecesse prioridades, e ela estabeleceu. O trabalho. Bons tempos aqueles em que estiveram juntos, a salada, as palavras doces, o romantismo.

Ainda de carrinho vazio, procurou algo para levar para o café da manhã seguinte. Tinha dinheiro para pouco. Pensou em levar morangos, mas lembrou que teve alergia da última vez que os comeu. Podia levar uma das frutas exóticas que havia provado, mas, mesmo que todas fossem maravilhosas, nenhuma lhe tinha chamado atenção o suficiente para estabelecer uma favorita. Romã, Kiwi, Lima... Tinha medo de gastar dinheiro em algo que pudesse não gostar. Pensou muito...

No fim da manhã, ela voltou para casa. Largou a chave na mesa da sala, ligou o computador e viu a caixa de mensagens vazia. Sentiu saudades de quanto estava trabalhando. Recebia 20 emails em uma hora, e até que sentia prazer em se sentir útil. Voltou para a cozinha e tirou o pacote de dentro do carrinho de feira. Guardou cuidadosamente na fruteira o que havia comprado: um belo cacho de banana catarina.

---

O jeito mais fácil de escolher entre duas coisas que lhe são muito importantes é não escolher.

18 abril 2006

Prefácio para o futuro

Ia ser perfeito. Planejara tudo. Havia comprado duas garrafas de vinho branco de luxo, colocadas na geladeira, ao lado de uma enorme sobremesa. A casa, toda arrumada, parecia ter passado a vida esperando para receber a hóspede daquela noite. A mesa posta, lareira ligada, o jantar de salmão terminando de cozinhar. Pensava onde iria deixar o anel, que estava em uma caixinha violeta de veludo, em cima da mesa do jantar. Onde colocar? Dentro do copo? Ela poderia engasgar. Na sobremesa? E se ela engole?

Esperando, ansioso, passava ao lado do telefone, perto da porta, e nada. Arrumava a gravata de seda toda a hora. Tocou o telefone. Ergueu o fone sorrindo e depois de 5 minutos, desligou. Triste.

O vizinho lhe chamou pois o portão da garagem emperrou e o zelador estava de férias. Ele era síndico. Encostou a porta de casa e pegou o elevador de sua cobertura até a garagem. O vizinho lhe esperava com uma dúzia de desaforos. Foi até o portão, arregaçando as mangas da camisa italiana. O troço nem se mexia. Examinando de perto a correia que movia o mesmo, descobriu que um largo fio havia se enroscado. No mesmo momento, ele pode ouvir alguém tocando a campainha. Ele explica a situação ao vizinho e pede que ele aguarde, pois ele vai receber sua visita.

E era a própria. Linda. Usava uma blusa branca de renda, como que num prefácio para o futuro. Pediu que subisse enquanto consertava o maldito portão, mas antes mesmo de poder se despedir, ouviu um grande estrondo que antecedeu a total queda de luz do prédio inteiro. Correu para a garagem, onde o vizinho estava plantado como uma imensa samambaia luminosa, segurando na mão um fio da largura de seu pulso, que emitia fagulhas brilhantes.

- Eu estava com pressa...


Antes que o pior aconteça, ele vai até o telefone da portaria, para ligar para um eletricista. Ao contrário do portão, o telefone era sem fio. Mudo. De repente, olhando pro lado, viu a porta do elevador se abrir com um rugido metálico. De trás dela, saem 4 jovens, 2 deles segurando garrafas de alguma coisa que não parecia ser refrigerante.

- Olá! Viemos buscar a chave do salão de festas! A dona Miriam deve ter avisado o senhor.


Ele nem lembrava mais disso. Conhecia os garotos, eram os filhos da dona Miriam, vizinha da frente, grande amiga do síndico... de fato, foi ela que lhe apresentou sua futura noiva. Pediu que eles e os amigos fossem buscar a chave no apartamento dele, pois já sabiam onde ele a guardava, na gavetinha do criado mudo, logo no hall!

- E dessa vez, vão de escada. Houve um curto circuito, vai demorar um pouco para voltar a luz.


Nem ouviram. Virando-se, percebeu que não sabia mais onde estava o vizinho apressado. Foi até o lavabo da portaria, para lavar as mãos sujas de graxa. Abriu a torneira e nada. Nem uma gota. Resolveu fazer isso em casa mesmo. Subindo as escadas, encontrou uma mulher de bobs coloridos nos cabelos e máscara facial amarela, com cara de quem viu um fantasma... ou se olhou no espelho.

- Senhor, você é o síndico, não? - e sem esperar resposta, completou - Minha descarga emperrou e não para de vazar! - tinha percebido o motivo da torneira
estar sem pressão.


Foi até o banheiro da moça, correndo, e enxarcando meio palmo suas calças de linho com o vinco que lhe custara 20 minutos para acertar. No meio do atoleiro, conseguiu fechar a válvula de descarga com as mãos. Acertada a descarga, continuou subindo para seu apartamento, com esperança de que conseguisse tomar um banho e trocar de roupa sem que ela percebesse.

Foi no último lance de escadas que ele percebeu um cheiro de queimado. O peixe. Havia esquecido o maldito salmão no forno. Entrou correndo em casa, passando, sem perceber, pelos jovens que, ao invés de buscar a chave do salão de festas, tinham se servido de vinho branco, refrigerante e da majestosa torta que estava na geladeira. Passou a mão na luva de pano e tirou a bandeja com um pedaço de carvão bruto do forno. Seu celular toca.

- ALÔ? ONDE DIABOS VOCÊ SE METEU? PRECISO SAIR DA GARAGEM, ESTOU 4 MINUTOS ATRASADO!


Ao terminar da ultima frase, entram na cozinha a sua futura noiva e a moça de bobs e máscara facial amarela.

- Sabe, como não podia usar o banheiro, pensei que podia usar o seu.


Ficou parado, em silêncio, ouvindo os praguejos do vizinho irado no celular, com as mãos cheias de graxa, os sapatos cobertos com água de privada, cabelos desarrumados, cheirando a peixe queimado e ouvindo os gritos estridentes dos guris que agora brincavam de guerrinha com os pufes da sala.

Quebrando o gelo, ela, de blusa branca e rendada se aproximou dele e beijou-lhe os lábios. Quando se afastou, deixou uma caixinha de veludo violeta na mão que vestia a luva de pano.

- Eu aceito. - disse ela.


E assim que foi. Perfeito.

14 abril 2006

Reforma do Ensino Superior

FACRI
Faculdade de Criminologia

Currículo 1/171 - Curso de Criminologia
Reconhecimento: Decreto nº 666.666/66 (D.O. de 01-04-2006)
Integralização em anos: máximo: não determinado; mínimo: 3

Disciplinas do nível I:
Contabilidade I
Fundamentos da Segurança Pública
Introdução à Criminologia
Introdução ao Furto e Punga
Sociologia I

Disciplinas do nível II:
Arrombamento e Invasão I
Contabilidade II
Fraude e Falsificação
Furto e Punga I
Identificação de Alvos

Disciplinas do nível III:
Arrombamento e Invasão II
Contabilidade III
Furto e Punga II
Introdução ao uso de Armas Brancas
Introdução ao uso de Armas de Fogo

Disciplinas do nível IV:
Golpes e Blefes I
Operações Automotivas
Operações em Grupo
Prática de uso de Armas Brancas
Prática de uso de Armas de Fogo

Disciplinas do nível V:
Chantagem I
Golpes e Blefes II
Legislação em Criminologia
Seqüestro Individual
Técnicas de Transporte: Contrabando e Tráfico

Disciplinas do nível VI:
Chantagem II
Fuga e Camuflagem
Seqüestro em Massa

Disciplinas do nível VII:
Introdução à Política Básica
Trabalho de Conclusão

Observação Currículo 1/171:
- As disciplinas de Política Básica e Política I foram retiradas do currículo devido a censura de órgãos da educação nacional. As disciplinas continuam sendo oferecidas em cursos de pós graduação e especialização da faculdade.
- É permitido apenas 8 estágios concomitentes por semestre.
- É expressamente proibida a utilização dos conhecimentos obtidos nas disciplinas de Fraude e Falsificaçã e Golpes e Blefes para ganhar créditos ou benefícios no curso.

27 março 2006

Saudades de...

Sei lá, só fiquei com vontade de escrever.
Estou sentindo falta de alguma coisa, só não sei o que.
Acho que eu estava em uma estrada, perseguindo meus sonhos, daí cansei e deitei para descansar um pouco.
Quando acordei, não estava mais sonhando.

14 março 2006

207

[Post Categoria: Texto]

Um belo dia você chega em casa. Acaba de estacionar o carro. Desce, liga o alarme e vai em direção ao hall do prédio, seguido pelo som dos sapatos batendo no concreto frio, cansados depois de um dia de trabalho.

Aguardando o elevador, ganha uma nova companhia: o bastardo do 207. O garoto, de seus vinte e poucos anos, cabelo oleoso, curto e amassado por um boné de marca, usa cores predominantemente escuras. É mal falado no bairro todo. Dizem que ele é traficante, que comprou o apartamento ao lado do seu, com o dinheiro das drogas e dos assassinatos por encomenda. Ninguém se atreve a dizer-lhe isso, pois é um risco muito alto a se correr. Há quem diga que foi assaltado pelo rapaz dentro do prédio.

Você resolve não trocar palavras, apenas pressiona o botão metálico, que acende, e espera o elevador. Ele sobe junto, mora no mesmo andar. A porta do elevador se abre, e você percebe que o operador da TV a cabo está à sua porta, e que a mesma encontra-se aberta. O funcionário para por alguns momentos, e lança um olhar de dúvida. Sua mulher, também à porta, lhe cumprimenta, e avisa:
- Vou buscar o talão de cheques.

Engraçado ela não ter lhe avisado nada. O infame vizinho abre a porta do apartamento, com um som que passa por cima de seus ombros. Ela ainda não voltou. Você larga suas coisas em cima da mesa da sala, e volta para não deixar o operador da TV a cabo sozinho. Ele lhe pergunta algo sobre o tempo. Há um pequeno intervalo de tempo constrangedor, onde não há assunto. O homem limpa o suor da testa - parece cansado - e fecha um botão da camisa do uniforme. Ele pergunta algo sobre futebol e você nem dá bola.

Sua mulher volta, desta vez com um cachecol ao redor do pescoço e com um blazer sobre a mão. Parece que ela vai sair.
BANG.

O moleque do 207, com uma pistola na mão. Sua mulher cai lentamente, deixando um rastro de sangue na parede. O blazer escorrega por cima de sua mão, revelando o calibre 38 que você herdou do seu avô.



[Comentários Adicionais]
Quem pode distinguir bem de mal? (se alguém não entendeu, por favor avisar)

Enfim... Mais um dia comum de estágio e faculdade, nada de grandes novidades, aquela mesma coisa de todo o dia. Exceto que, mesmo não tendo muitas aulas hoje, aprendi muito mais que em qualquer outro dia.
Aprendi que nem sempre o mundo é justo,
que nem sempre se faz a coisa certa sem o sacrifício de algo,
que muitas vezes meus amigos mais próximos me conhecem melhor que eu,
que - sem saber - eu faço/falo coisas que atingem outras pessoas...

No mais, é isso.
Abraços!

22 janeiro 2006

If you're feeling sinister

[Post Categoria: Conclusão Empírica]

ColorQuiz.comDiogo took the free ColorQuiz.com personality test!

"Strives for a life rich in activity and experience..."


Click here to read the rest of the results.


Anthony walked to his death because he thought he'd never feelthis way again
If he goes back to the house then things would go from bad to worse, what could he do?
He wants to remember things exactly as he left them on that funny day
And if there is something else beyond, he isn't scared because
It's bound to be less boring than today
It's bound to be less boring than tomorrow

Hilary walked to her death because she couldn't think of anything to say
Everybody thought that she was boring, so they never listened anyway
Nobody was really saying anything of interest, she fell asleep
She was into S&M and bible studies
Not everyone's cup of tea she would admit to me
Her cup of tea, she would admit to no one
Her cup of tea, she would admit to me
Her cup of tea, she would admit to no one

Hilary went to the Catholic Church because she wanted information
The vicar, or whatever, took her to one side and gave her confirmation
Saint Theresa's calling her, the church up on the hill is looking lovely
But it doesn't interest, the only things she wants to know is
How and why and when and where to go
How and why and when and where to follow
How and why and when and where to go
How and why and when and where to follow

But if you are feeling sinister
Go off and see a minister
He'll try in vain to take away the pain of being a hopeless unbeliever

When she got back, her spirituality was thrown into confusion
So she got a special deal on renting
From the man at Rediffusion
"Look at me! I'm on TV"
It makes up for the shortcomings of being poor
Now I'm in a million pieces", picked up for deliberation
By the people listening at home
By the people watching on the telly
By the people listening at home
By the people watching on the telly

But if you are feeling sinister
Go off and see a minister
Chances are you'll probably feel better
If you stayed and played with yourself


Who am I?

Sei lá, ando estranho ultimamente, mas hoje especificamente me sinto melhor...
Acho que algo está mudando a minha volta.

E perdoai nossos pecados assim como perdoamos a quem nos tem ofendido.
Desculpem por ser chato as vezes - tentando melhorar!

21 janeiro 2006

18:50

[Post Categoria: Conto]

... bati o ponto.

- Boa Noite, Silvana! - e saí do escritório.

Saí do prédio, hora do rush. A rua, movimentadíssima.

À minha frente, a parada de ônibus. A rua, tomada de carros em uma tentativa de ultrapassar mach3 para chegar mais rápido em casa - frustrada, talvez pelo número de sinaleiras que havia por perto. Na calçada, altos executivos com pressa para entrar em alguma fila. Pessoas simples, donas de casa saindo de um mini mercado. Os vendedores das lojas de rua, contemplando o crepúsculo tricolor, para compensar a apatia da atividade naquela hora.

À esquerda, alguns funcionários carregavam móveis para fora de um caminhão - que atrapalhava o trânsito - para dentro de um prédio, fazendo a mudança de alguma família feliz para um novo apartamento.

À direita, um mendigo deitado sob uma marquiz, a frente de um bar.


Esperava o ônibus para ir para casa. Uma mulher sai do mercado com uma cesta de frutas e me lembra minha namorada: ela gosta muito de manga... Manga... Como posso sentir saudades, mesmo depois de poucas horas sem vê-la? Fico pensando em como ela me completa, o bem que isso me faz... No modo que ela...

- Com licença, meu bom jovem, poderia me informar as horas? - perguntou o
mendigo, com notável habilidade com as palavras.
- 18:50.


Desvio o olhar por um instante e vejo um ônibus do outro lado da rua.
Jardim São Pedro. Passa próximo à casa dela, e está indo na direção correta.
Ele para na parada correspondente a minha.
Neste momento, percebi o que eu deveria fazer.

Já estava na hora.
Há muito tempo eu já deveria ter feito isso. Eu deveria ir até lá agora mesmo, e dizer para ela o quanto ela é importante. Largar todas as superficialidades que me preocupam e dar mais atenção ao nosso relacionamento. Morar juntos. Casamento.

- Vamos logo filho! Ou vai perder o ônibus! - disse uma mãe para seu filho, de
uniforme do colégio.


Não! Como eu iria dizer isso assim, ao acaso? Como iria bater à porta dela, com o coração pulando para fora da boca, sem nem sequer uma flor? Tenho certeza da minha incapacidade de converter meus sentimentos em palavras, é algo que leva tempo.

- Em frente, Em frente! - gritava, autoritário, o líder dos funcionários que
agora traziam um enorme piano para fora do caminhão.


Ah, uma música, quem me dera se eu fosse bom com isso! Poderia tocar uma música para ela, um prólogo do que eu iria lhe dizer. Ah se eu fosse mais confiante! É tão simples, é como empilhar documentos, basta colocar esta tempestade de pensamentos em ordem, e eu conseguiria fazer isso perfeitamente. Ah se eu pelo menos fosse mais bonito, não precisaria de tanto trabalho para agradá-la, pois na dúvida, um sorriso resolveria.

- She loves you yeah, yeah, yeah - um jovem cantava, acompanhando seu mp3
player.


Agora sim. Vou entrar naquele ônibus. Percebi que não precisava de grandes presentes, que não precisava ter um discurso pronto, que não precisava ser melhor do que eu sou, que apenas deveria deixá-la ver o espaço que ela ocupava em meus pensamentos. Parece que tudo, todas, todos... Sejam lá que forças formam um pensamento, juntaram-se. Tomaram forma, e agora eu sabia palavras para cada uma das emoções que percorria meu corpo da cabeça aos pés. Eu te...

Alguém esbarrou em mim. Barulho de papéis voando.

- Desculpe senhor!


Virei, e me deparei com uma mulher maravilhosa. Jovem, de formas perfeitas e de um rosto que, sob a cor do céu, parecia não poder ficar mais bonito. Seus olhos claros, fartos de água, pareciam lamentar por ter esbarrado em mim, como se isso fosse causar uma catástrofe na minha vida.

- Não se preocupe, eu ajudo você a juntar! - respondi.
- Muito obrigado, o senhor é muito gentil. - retrucou, com voz de
choro.
- Está tudo bem?
- Mais ou menos, senhor, mas isso não importa. Olha, muito obrigado pela
ajuda, e mais uma vez, peço desculpas, mas parece que meu ônibus está chegando.
- ela apontou para a esquina, onde o ônibus que eu sempre pego para ir até em
casa estava vindo.
- Você também pega este? Por que não me conta no caminho? Sei muito bem
como é difícil passarmos por situações sozinho.


Ela aceitou.
Subimos no ônibus.
Parecia que ela tinha sido demitida da empresa onde eu fora contratado naquele mesmo dia, mas nada de grave.
Pelo resto do dia, fiquei com a sensação de ter esquecido de alguma coisa.

Mas depois eu me lembro.