19 abril 2007

Supernova

Era luz demais para um corpo só.

Era um gordinho sem graça que sentava na primeira fila nas aulas. Tinha uns 5 amigos, dos quais 2 ou 3 freqüentemente lhe negligenciavam. Não que estivesse triste com sua condição. Ele via os garotos populares em seu colégio, ia nos churrascos da turma, mas não fazia muita questão de mudar de vida.

Um dia, seu melhor amigo - o Futuro - cochichou algumas coisas no ouvido dele. De repente, pareceu que o garoto transpirava todos os seus desejos. Surgiu nele uma imensa vontade. Não vontade de algo em particular, mas aquela vontade arrebatadora, um milk shake de todos os sentimentos do mundo, que parece que causa indigestão e dá a impressão de que você pode explodir a qualquer instante. Muito parecido com estar apaixonado, mas sem ser por alguém específico. Tinha em si todos os sonhos do mundo. Descobriu a vida.

Queria contar pra todo mundo da sua descoberta. Contar o quão legal era a sensação de unidade com as pessoas, o quão fantástico era se sentir parte de algo. E começou a compor. Aprendeu guitarra, elétrico. Ficava cada vez mais intenso na vida. Arranjou companheiros que não tivessem medo, ao ficar de seu lado, de serem atingidos por um ímpeto repentino ou idéia aleatória que ele emitia em todas as direções. E antes que pudessem perceber, eram uma banda. E começou a mostrar pro mundo, na música, o que brotava dentro de si. Fazia sucesso. Começou nas casas de show mais underground da cidade, no fim, só voltava pra cidade se fosse no Opinião, no Sesi... Fez novos contatos, conheceu gente muito diferente do que estava acostumado. Esqueceu do Futuro.

Conforme foi passando o tempo, o garoto começou a ficar sem coisas para falar. Já tinha esgotado seu repertório de versos e estrofes. Achou que havia algo de errado consigo. Lembrou-se de seu amigo, mas não ligou. Não porque não quisesse, mas porque já fazia tanto tempo que não falava com ele que provavelmente Futuro houvesse trocado de número.

Tinha certeza de que havia algo errado consigo. Conversou com as mais diversas pessoas para tentar descobrir o que estava acontecendo e encontrou uma solução. Uma não. Várias. Maconha, cocaína, heroína... E de repente suas músicas voltaram pro topo das paradas. Intenso como sempre. Utilizava o argumento do Carpe Diem para justificar sua vida vazia cheia de eventos, aquisições, garotas, entrevistas, discos de ouro, platina, diamante, qualquer que seja o minério.

Até que um dia, quando ia encerrar sua turnê em sua cidade de origem, aconteceu. Estava alterado, não pensava mais do modo habitual. Tentava compreender o que acontecia depois que o palco acabava, mas algo lhe fazia pensar que se ele não pudesse ver nitidamente, não deveria ser importante. Alguns minutos após o início, o garoto olha para a platéia, pela primeira vez. E quem está na primeira fila, prestigiando seu sucesso, como se absolutamente nada tivesse afetado sua opinião, é seu amigo: Futuro. E desmaia. Talvez pelo conteúdo de sua corrente sanguínea, talvez pela emoção que a situação lhe provocara. Naquele momento percebeu que não conhecia mais amenidades. Era 8 ou 80. Sua vida havia sido amplificada. O que não necessariamente era bom.

É nesse momento que seu amigo sobe no palco e diz: Esse garoto já falou demais. Está na hora de ele largar o que está fazendo e escutar um pouco.

O garoto não sobreviveu.
Era luz demais para um corpo só.
Explodiu silenciosamente e ninguém fez nada para evitar.

Quanto ao seu Futuro, deve estar por aí, em algum lugar, aproveitando as partes da vida que seu amigo deixou pra trás.

18 abril 2007

Homem Catraca

A fila anda e todos passam por mim.

04 abril 2007

Life in a nutshell

Em meados de 1970 uma equipe de tv em visita a um templo budista capturou acidentalmente a imagem de um monge abrindo uma noz sem o auxílio de nenhuma ferramenta. A cena, impressionante pelo fato do monge simplesmente abrir a casca da mesma apenas puxando cada uma para um lado, sem batê-la em nenhuma superfície.

A produção do programa que estava filmando, depois de muito negociar, conseguiu levar o monge para entrevistas em programas populares e pequenas exibições, ainda que por pouco tempo. O monge não entendia muito bem o idioma local e muitas vezes deixava de compreender figuras de linguagem (talvez de propósito, talvez por ingenuidade).

Em sua última entrevista em um programa de culinária, a apresentadora - impressionada com o dom do homem - indaga:
- Nos conte, qual o seu segredo?

O monge hesita e responde:
- Odeio nozes.