16 julho 2009

Abstinência

Já fazia uma semana que ela estava limpa. Era viciada.

Difícil entender como é ficar sem algo pelo qual se anseia sem nunca ter vivido isso. E por isso que ela não conseguia conversar com ninguém sobre o assunto. É muito, muito difícil entender o que a abstinência faz com uma pessoa. A cada dia que passava, ela se movia menos na cama, afundando cada vez mais no colchão. A única coisa que poderia movê-la dali é sustentar seu vício. E a cada momento que passava, a recordação da experiência do vício se tornava mais vívida e tentadora. Quanto mais tempo afastada de tudo aquilo, menos importante parecia todo o resto ao seu redor. A televisão, o jornal, as coisas do dia a dia, nada mais tinha o glamour de anteriormente.

Ainda que gastasse o dia cozinhando, lendo, limpando, não fazia nada direito. Tudo aquilo só lhe fazia lembrar o cheiro, o gosto, a sensação que tinha enquanto estava completa, enquanto alimentava sua dependência. Inclusive, só se sentia independente nessas circunstâncias. E o tempo todo, seu objeto de desejo a observava de cima da mesa. Branco, imóvel.

Ela vira de lado. Pensa em falar com alguém sobre isso, mas a idéia só a fazia lembrar a coisa mais fácil a fazer. Ninguém iria entender, era mais fácil ceder. Na realidade, só não o fazia porque sabia o quanto aquilo a afetava, mas no fundo já havia cedido. Poderia tentar falar com a vizinha, mas lembrou o quanto a gaga lhe perturbava quando vinha entregar correspondência que chegava em sua casa por engano:

"Obriga-ga-do do-ona-ona! Boa tea-te-tarde."

Boa tarde, miserável. Também havia sua irmã. Sua irmã que jamais teve vício algum. Até duvidava se ela já tinha amado alguma coisa tanto quanto amava seu vício. Branco, sobre uma bandeja plástica, lhe fitando de cima da mesa. E sua personalidade confiante só a deixava ainda mais irritada.

Foi então que, perante a falta de alternativas, cedeu. Levantou-se da cama e foi fazer o que já ansiava a semana toda. Já se arrependia enquanto tirava do gancho o telefone sem fio, branco e com teclas de borracha. Até que aguentou bastante tempo sem utilizá-lo. Discou um número que já vinha memorizando a algum tempo para quando esse dia chegasse. Chamou algumas vezes, quando alguém a atendeu, do outro lado da linha:

"Boa tarde, gostaria de cancelar meu serviço de telefone... Por qual razão? Você tem tempo? Bom, é uma longa história..."

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